Marcos Graconato
A
expressão "igreja fria" não aparece na Bíblia. O mais próximo que se
chega disso está em Apocalipse 3.15-16, quando Jesus diz que a igreja de
Laodicéia era morna. Isso, porém, não significava que aquela igreja
fosse pouco animada, mas sim que ela era como as águas semi-térmicas
(nem frias nem quentes) que chegavam à cidade. Sendo mornas, aquelas
águas não serviam nem para matar a sede, nem para fins terapêuticos.
Assim, o que Jesus queria dizer ao afirmar que a igreja de Laodicéia (ou
o "anjo" daquela igreja) era morna, era que ela não tinha serventia
alguma — não refrescava os sedentos, nem curava os feridos. Como água
morna só servia para provocar o vômito (v. 16).
Poucos
crentes modernos entendem isso. Então, seguindo meras intuições
interpretativas, acreditam que as alusões de Jesus à temperatura da
igreja de Laodicéia tinha que ver com a forma de seus cultos. A partir
daí, sem base alguma, consideram morna ou fria a igreja que se apresenta
da seguinte maneira:
1. As pessoas se comportam normalmente em seus cultos, sem gritar, chorar, pular ou rolar no chão.
2. O culto se concentra na exposição da Palavra e os crentes acompanham atentos e silenciosos essa exposição.
3. Os cânticos são equilibrados, sem excesso de volume e sem danças ou coreografias muitas vezes carentes de sentido.
4.
As orações são feitas por uma pessoa de cada vez, de forma que todos
podem ouvir as palavras de quem ora e dizer conscientemente o amém no
final.
5. As emoções dos adoradores ficam dentro da normalidade, livres de arroubos frenéticos e comportamentos bizarros.
6. O ambiente em geral favorece o aprendizado, a reflexão, a auto-análise, a confissão de pecados e a adoração consciente.
Curiosamente,
pessoas que se apresentam como cristãs nutrem verdadeira repugnância
por tudo isso e dizem que essas seis características são próprias da
igreja sem vigor espiritual, sem vida e sem calor. Para elas, essas
características devem ser removidas e substituídas por outras que,
segundo entendem, marcam as "igrejas quentes". Essas características são
as seguintes:
1.
As pessoas se comportam de forma excêntrica, gritando, chorando,
grunhindo, uivando, rastejando pelo chão, dando gargalhadas e imitando
gente embriagada.
2.
O culto não tem exposição da Palavra. Em vez disso, o "pregador" grita
jargões, profecias e frases de vitória, esguelando e gesticulando
loucamente para dar autoridade e peso às palavras vazias que pronuncia.
3.
O cânticos ocupam a maior parte da reunião e desembocam em confusão,
danças e gritos, com os instrumentos num volume ensurdecedor que anula o
raciocínio e o bem-estar, tudo com o objetivo de tornar o culto mais
"animado".
4.
As orações são feitas com todos falando ao mesmo tempo. A balbúrdia
chega ao seu apogeu quando a massa começa a pronunciar o que acredita
ser "línguas estranhas", enquanto muitos sapateiam, gesticulam,
contorcem o rosto e caem no chão.
5.
As emoções são vistas como a medida da espiritualidade. Assim, quanto
mais emoção o adorador demonstra, mais espiritual ele é considerado. Com
isso em mente, as pessoas perdem qualquer noção de compostura e adotam
comportamentos que nem mesmo num hospício é possível encontrar.
6.
O ambiente é absolutamente desfavorável ao aprendizado, à reflexão, à
avaliação de si e ao que Paulo chamou de "culto racional" (Rm 12.1).
De
acordo com a mente evangélica dominante, esse segundo modelo é o
aprovado pelo Espírito Santo, enquanto o primeiro é pervertido,
improdutivo e desagradável a Deus.
A
esse grau de inversão chegou a "mentalidade cristã" de nosso dias — uma
mentalidade sem discernimento, incapaz de aprovar as coisas excelentes
(Fp 1.10), que chama o mal de bem e o bem de mal (Is 5.20) e que, pra
piorar, se gaba disso tudo, considerando-se a nata da espiritualidade
cristã (Ap 3.17).
Que
Deus livre os seus servos fieis de todos esses desvios e desatinos e os
mantenha lá no alto, sobre os belos picos nevados da verdadeira
espiritualidade, bem longe das florestas barulhentas onde pulam os
índios pagãos e seus feiticeiros, lá embaixo.
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