
Marto
e Mário eram gêmeos de impressionante semelhança física. Como é comum,
tinham personalidades quase que opostas. Tiveram a felicidade de se
converter na tenra infância e frequentaram juntos, na juventude, o mesmo
seminário.
Marto,
desde o instituto bíblico, destacava-se pelo carisma e pelo
pragmatismo. Dizia que gostava de tudo que era prático e realizável.
Após o seminário, cursou administração com ênfase em marketing
para, segundo definia, ser mais útil ao ministério. Tinha muito
interesse também por evangelismo e se destacava, desde as primeiras
lições de homilética, pela eloquência com que apregoava a salvação.
Mário
era diferente. Mais contemplativo e quieto, dedicou-se no seminário
mais à teologia bíblica (abominava a teoria das fontes e a hipótese
documentária), à hermenêutica e às línguas bíblicas. Não se pode dizer
que fora um aluno brilhante, mas era esforçado. Sabia-se limitado
academicamente e de personalidade menos vistosa.
Quis
Deus que Marto e Mário fossem ordenados ao ministério na mesma época e
na mesma cidade. Acabaram por pastorear duas igrejas batistas em bairros
adjacentes. Sendo novatos, ambas as igrejas eram pequenas inicialmente.
O tempo passou e, com sua inexorável marcha, as diferenças de filosofia
ministerial se mostraram perceptíveis.
A
igreja batista de Marto cresceu, ou melhor, explodiu no que diz
respeito ao número de frequentadores! Seu fervor evangelístico e carisma
logo trouxeram resultados, sem contar ainda o funcionamento da igreja,
bem-administrada nos detalhes (e com amplo estacionamento). Havia alguns
problemas também: a igreja tinha o perfil “rodoviária”. Muitas pessoas
chegavam, mas também muitas pessoas saíam de lá constantemente. As
reclamações dos que saíam (e, sinceramente, de alguns que ficaram) era
que o pastor era um excelente evangelista, mas que era difícil aguentar,
todo santo domingo, sermões sobre salvação com longos apelos no final.
Sabe-se de um homem de meia idade (não seria elegante dizer seu nome)
que se levantou e foi à frente 23 vezes (alguns contaram 27) nos apelos
dominicais.
Os
frequentadores (seria um pouco exagerado chamá-los membros) da igreja
de Marto se destacavam pela posição social (bons carros ali), as moças
pelo desfile de moda aos domingos e os jovens pela comunhão, na igreja e
nas baladas da vida. Mas definitivamente era uma igreja grande e com
boas instalações.
No
caso de Mário, o irmão mais quieto, as vitórias no ministério foram um
pouco mais modestas. A igreja cresceu numericamente, mas bem menos do
que a do irmão e em velocidade bem mais lenta. Sabendo-se limitado na
oratória, atinha-se ao texto bíblico nos sermões e aulas. Pra facilitar,
iniciou estudos em série e passava bastante tempo estudando um único
livro da Bíblia. Pelo menos, os membros de sua igreja, além de
geralmente permanecerem naquela congregação por muitos anos, mostravam
verdadeiro crescimento espiritual. Em vinte anos, aquela igreja de 83
membros viu três jovens irem ao seminário para se tornar pastores e dois
casais partirem para servir a Deus em outras terras como missionários.
Era
uma igreja pacífica, até porque Mário havia estudado com a igreja os
textos que tratam da disciplina bíblica. Depois de um tempo, surgiu uma
congregação nos mesmos moldes, do outro lado da cidade.
Por
obra da soberania, depois de trinta anos de ministério, na mesma semana
faleceram inesperadamente Marto e Mário. A igreja de Marto, abalada com
a morte do carismático líder, poucos meses depois se dividiu: uma parte
adotou uma linha mais neopentecostal e o restante se filiou ao
movimento de igrejas em células.
A
igreja de Mário, após os lutos devidos e necessários, selecionou,
dentre a congregação, um jovem com chamado pastoral. No primeiro dia em
que o jovem subiu ao púlpito para pregar após sua indicação, solicitou
que a congregação abrisse no versículo seguinte ao que Mário, antigo
pastor, tinha pregado logo antes de morrer. A igreja precisava seguir e a
pregação expositiva também.
Pr. Pedro Freitas
Nenhum comentário:
Postar um comentário