terça-feira, 26 de abril de 2016

Pregação Expositiva: a Igreja Precisa Disso?










Marto e Mário eram gêmeos de impressionante semelhança física. Como é comum, tinham personalidades quase que opostas. Tiveram a felicidade de se converter na tenra infância e frequentaram juntos, na juventude, o mesmo seminário.
Marto, desde o instituto bíblico, destacava-se pelo carisma e pelo pragmatismo. Dizia que gostava de tudo que era prático e realizável. Após o seminário, cursou administração com ênfase em marketing para, segundo definia, ser mais útil ao ministério. Tinha muito interesse também por evangelismo e se destacava, desde as primeiras lições de homilética, pela eloquência com que apregoava a salvação.
Mário era diferente. Mais contemplativo e quieto, dedicou-se no seminário mais à teologia bíblica (abominava a teoria das fontes e a hipótese documentária), à hermenêutica e às línguas bíblicas. Não se pode dizer que fora um aluno brilhante, mas era esforçado. Sabia-se limitado academicamente e de personalidade menos vistosa.
Quis Deus que Marto e Mário fossem ordenados ao ministério na mesma época e na mesma cidade. Acabaram por pastorear duas igrejas batistas em bairros adjacentes. Sendo novatos, ambas as igrejas eram pequenas inicialmente. O tempo passou e, com sua inexorável marcha, as diferenças de filosofia ministerial se mostraram perceptíveis.
A igreja batista de Marto cresceu, ou melhor, explodiu no que diz respeito ao número de frequentadores! Seu fervor evangelístico e carisma logo trouxeram resultados, sem contar ainda o funcionamento da igreja, bem-administrada nos detalhes (e com amplo estacionamento). Havia alguns problemas também: a igreja tinha o perfil “rodoviária”. Muitas pessoas chegavam, mas também muitas pessoas saíam de lá constantemente. As reclamações dos que saíam (e, sinceramente, de alguns que ficaram) era que o pastor era um excelente evangelista, mas que era difícil aguentar, todo santo domingo, sermões sobre salvação com longos apelos no final. Sabe-se de um homem de meia idade (não seria elegante dizer seu nome) que se levantou e foi à frente 23 vezes (alguns contaram 27) nos apelos dominicais.
Os frequentadores (seria um pouco exagerado chamá-los membros) da igreja de Marto se destacavam pela posição social (bons carros ali), as moças pelo desfile de moda aos domingos e os jovens pela comunhão, na igreja e nas baladas da vida. Mas definitivamente era uma igreja grande e com boas instalações.
No caso de Mário, o irmão mais quieto, as vitórias no ministério foram um pouco mais modestas. A igreja cresceu numericamente, mas bem menos do que a do irmão e em velocidade bem mais lenta. Sabendo-se limitado na oratória, atinha-se ao texto bíblico nos sermões e aulas. Pra facilitar, iniciou estudos em série e passava bastante tempo estudando um único livro da Bíblia. Pelo menos, os membros de sua igreja, além de geralmente permanecerem naquela congregação por muitos anos, mostravam verdadeiro crescimento espiritual. Em vinte anos, aquela igreja de 83 membros viu três jovens irem ao seminário para se tornar pastores e dois casais partirem para servir a Deus em outras terras como missionários.
Era uma igreja pacífica, até porque Mário havia estudado com a igreja os textos que tratam da disciplina bíblica. Depois de um tempo, surgiu uma congregação nos mesmos moldes, do outro lado da cidade.
Por obra da soberania, depois de trinta anos de ministério, na mesma semana faleceram inesperadamente Marto e Mário. A igreja de Marto, abalada com a morte do carismático líder, poucos meses depois se dividiu: uma parte adotou uma linha mais neopentecostal e o restante se filiou ao movimento de igrejas em células.
A igreja de Mário, após os lutos devidos e necessários, selecionou, dentre a congregação, um jovem com chamado pastoral. No primeiro dia em que o jovem subiu ao púlpito para pregar após sua indicação, solicitou que a congregação abrisse no versículo seguinte ao que Mário, antigo pastor, tinha pregado logo antes de morrer. A igreja precisava seguir e a pregação expositiva também.
Pr. Pedro Freitas

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