Por que lhes dirijo humilde e respeitosamente a palavra neste gravíssimo momento em que a preocupação acerca do futuro do País e de suas instituições – especialmente da magistratura – se encontram em gravíssimo risco?
Explico:
Desde os tempos de estudante de Direito,
e até alcançar o mais elevado grau da advocacia pública brasileira,
conheci e aprendi a admirar e respeitar os juízes e, por meio deles,
compartir a veneração da magistratura.
Antes disso, porém, ainda criança,
respirei o orgulho de meus familiares ao invocarem como exemplo de
magistrado um Juiz Federal de Santos, em São Paulo, Bruno Barbosa Lima,
que, enfrentando a ira da ditadura getuliana, proferiu decisão favorável
à Pagu – então perseguida e hoje reconhecida pela História do Brasil
como heroína e precursora dos direitos das mulheres.
Esse juiz discreto, forte e justo era
meu tio-avô. E – diziam naqueles tempos – pagou amargamente o preço de
sua integridade com a extinção da Vara em que judicava; por isso, com
sua numerosa família e já em idade avançada, teve que recomeçar a vida
profissional como advogado no Rio de Janeiro, sendo acolhido no
escritório e na casa de um irmão, também advogado, Virgílio Barbosa
Lima.
Sob a inspiração desse exemplo e de
tantos outros magistrados cuja isenção, equilíbrio e moderação
testemunhei ao longo de quase meio século na advocacia, no magistério e
no Ministério Público Federal, é que me dirijo agora ao juízes do meu
País:
Aos que sabem não existir ninguém acima da lei – muito menos eles mesmos – e ninguém que esteja fora de sua proteção;
Aos que são
plenamente conscientes de que nenhum juiz pode usurpar competência de
outro ou emitir juízos fora dos processos sob sua responsabilidade;
Aos que não
substituem os meios legais de publicação de seus atos de ofício pela
divulgação extralegal, parcial, escandalosa e seletiva dos mesmos;
Aos que em seus
gabinetes quase anônimos e sufocados pelo invencível acúmulo de
processos e de demandas individuais e coletivas, cumprem o seu
dificílimo mister com a isenção, a serenidade, a firmeza e a modéstia
dos sábios e justos;
Aos que labutam
incansavelmente para que tenham curso e cheguem ao fim os processos, sem
apressá-los contra uns e retardá-los contra outros;
Aos que consideram sagrados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa;
Aos que garantem e
promovem o respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais dos
cidadãos, zelando pela integridade física e moral dos jurisdicionados e
de suas famílias;
Aos que praticam a justiça como um verdadeiro sacerdócio;
Aos que abominam a violência e os linchamentos físicos ou midiáticos e para nenhum deles contribuem direta ou indiretamente;
Aos que não distorcem a legalidade para fins alheios à Justiça e com ela incompatíveis;
Aos que não utilizam abusiva, arbitrária e ilegalmente os instrumentos legais que a sociedade lhes confiou;
Aos que não apontam à
execração púlica quem precipitada ou preconceituosamente julgam
criminosos antes mesmo de identificado eventual fato delituoso e da
formação da culpa;
Aos que não admitem
acusação ou restrição da liberdade sem um libelo formal e
substancialmente válido, apto a propiciar a qualquer acusado o
conhecimento preciso da acusação para que possa contraditá-la e exercer
amplamente o seu inalienável direito à defesa;
Aos que não fazem da magistratura instrumento de “marketing” politico ou de prosperidade econômica;
Aos que não fazem da toga instrumento de vaidade ou messianismo;
Aos que não se deixam usar como instrumentos de ódios e facciosismos politicos;
Aos que não permitem
que se transformem os templos da Justiça em cenários de intermináveis
novelas com que se busca em crescente delírio o aumento da audiência e o
aplauso das multidões;
Aos que não promovem
nem insuflam conflitos e, em vez disso, dirigem todo o seu esforço e
estudo no sentido de resolvê-los pelos meios adequados e legais em
benefício da paz social ;
Aos que não
prejulgam nem propagam através da mídia e foros extrajudiciais seus
prejulgamentos e preconceitos, usurpando a competência do juiz natural e
constrangendo outros julgadores;
Aos que não presumem
explícita ou implicitamente que decisões de outros juízes ou instâncias
devam ser tão viciadas quanto as próprias ou orientadas na mesma
direção;
Aos que não
participam de reuniões em que se conspira abertamente contra a
Constituição e o Estado Democrático de Direito e se discute a partilha
dos proveitos de um golpe antidemocrático em pleno curso;
Aos que não se fazem
partícipes essenciais na formulação, execução e acompanhamento de
táticas e estratégias visando à destituição de governos e à
desestabilização do País;
Aos que não utilizam
o cargo para atacar pessoas e entidades que tenham sido, estão sendo ou
poderão vir a ser partes em processos sob o alcance de sua jurisdição;
Aos que não orientam
partes e grupos em conflito assegurando-lhes antecipadamente o sucesso
de investidas judiciais que conduzem e julgam sem arguir a própria
suspeição, mesmo sendo ela notória;
Dirijo-me, pois, a
todos esses magistrados que, inteiramente dedicados às suas funções e
isentos de paixões políticas, não desejam ver o País mergulhado em
convulsão social, nem comprometida a credibilidade e o respeito devidos à
magistratura.
Àqueles, porém, cujos atos, palavras e
condutas extraprocessuais – sobretudo – vêm se revelando tão
inconvenientes à boa e serena imagem da Justiça e à validade de suas
próprias decisões, fica a ponderação: é necessário preservar os atos que
tenham praticado com acerto e justiça e assim devam ser julgados,
embora a validade de algumas de suas passadas e futuras decisões já
esteja por eles mesmos irremediavelmente comprometida.
A eles eu não diria – como o imortal Zola – “Eu acuso! “ Não é necessário. Seus próprios atos os acusam flagrantemente.
Embora ninguém seja obrigado a oferecer
provas contra si mesmo, eles o fizeram e insistem em fazê-lo de modo
reiterado. Suas palavras e condutas, registradas indelevelmente nos
autos dos processos e fora deles, além de propagadas pela grande
imprensa, constituem um claro, nítido e substancial corpo do delito da
suspeição e do desvio de finalidade. O que é notório independe de prova –
é o princípio jurídico. Para isso não é necessário sequer invocar a
teoria do domínio do fato.
A todo os juízes, porém, que mesmo na
serenidade de seu árduo e profícuo labor cotidiano tudo percebem mas
nada dizem ou fazem fora dos respectivos autos e instâncias, reitero
minha profunda admiração e respeito. Nada mais lhes tenho a dizer. Eles
conhecem muito bem a Constituição e as leis que todos juramos defender.
Assim, nele permaneço confiante, como neles necessitam ainda e sempre confiar todas as cidadãs e cidadãos brasileiros.
Alvaro Augusto Ribeiro Costa
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